“Cartórios dão visibilidade documental a pessoas que não existem formalmente”, afirma defensora pública

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Isabela Sales destaca aspectos culturais do Alto Rio Negro e a importância da atuação da Defensoria Pública em parceria com os Cartórios para levar o Registro Civil às comunidades, em boa parte, indígenas.

A Associação dos Notários e Registradores do Estado do Amazonas (ANOREG/AM) entrevistou a defensora pública Isabela Sales, que atua na região no Alto Rio Negro, área que abrange os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.

O defensor público é o profissional que pode orientar, postular e defender os direitos e interesses de pessoas carentes, que estão em busca de assistência jurídica e não podem pagar por ela.

Por ter essa forte atuação no interior do estado, auxiliando principalmente o público indígena, Isabela destaca, na entrevista, os impactos da falta de informação, levando em consideração os aspectos culturais e sociais e a importância da atuação da Defensoria Pública em parceria com os Cartórios para levar o Registro Civil às comunidades.

Confira a íntegra da entrevista:

ANOREG/AM – Quais os principais desafios enfrentados na região do Alto Rio Negro por conta da falta de informação sobre registro civil?

 Isabela Sales – Precisamos esclarecer que essa área de atuação que envolve os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos possui uma diversidade cultural muito rica e muito singular. Temos aqui um público de 23 povos indígenas que falam, pelo menos, 16 línguas conhecidas. Esse é público de atendimento da Defensoria, dos Cartórios e do Sistema de Justiça como um todo. Então, partindo desse cenário, a gente tem no dia a dia uma dificuldade de comunicação severa que se deve ao fato de que o português não é a primeira língua de boa parte desse público, logo, precisamos entender qual é a demanda e às vezes se torna um trabalho desafiador em razão dessa peculiaridade.

ANOREG/AM – Quais os casos mais comuns verificados no dia a dia?

Isabela Sales – A maior demanda é a busca por regularização documental. São pessoas que, muitas vezes, nascem e morrem sem ter acesso a nenhum documento da vida civil. As famílias posteriormente, por alguma necessidade, buscam fazer a regularização e nesse ponto a gente trabalha muito com os Cartórios. Eles estão no contexto da nossa atuação como parceiros. A via extrajudicial é mais fácil e adequada na maioria dos casos. Eventualmente, demandas precisam ser judicializadas quando se exaure a atuação dos Cartórios, mas, no geral, eles fazem um importante trabalho de visibilidade documental dessas pessoas que não existem formalmente para o Estado brasileiro.

 ANOREG/AM – Na sua visão, o que pode ser (ou está sendo) feito com relação a esse problema?

Isabela Sales – Na Defensoria, iniciamos uma experiência que se mostrou muito positiva. Trata-se da introdução de intérpretes no nosso fluxo de atendimento. Em São Gabriel, por exemplo, temos três línguas oficiais, de modo que todos os serviços públicos devem ser ofertados nessas três línguas. Isso tem se mostrado fundamental para o nosso trabalho, pois há demandas que, sem intérprete, a gente não consegue entender qual é a necessidade ou então até chegamos no resultado, mas com muita dificuldade. Essa é uma medida para facilitar a comunicação. Para além dessa hipótese, se faz necessário viabilizar mais parcerias com os poderes públicos como prefeituras, Governo, órgãos indígenas e etc. para facilitar esse contato.

ANOREG/AM – No geral, como avalia as dificuldades de acesso à informação e seus impactos causados à população?

Isabela Sales – O desafio da falta de informação caminha lado a lado com dificuldades de acesso à informação, que o interior do estado possui, em maior ou menor medida. Isso faz com que, muitas vezes, os jurisdicionados não busquem os serviços. Há muitos casos em que as pessoas não sabem que existe o prazo de 15 dias para levar a Declaração de Nascido Vivo (DNV) para obter a certidão de nascimento do filho. Quando essa informação é transmitida em unidades de saúde, a pessoa, em razão dessa questão cultural, não absorve e não tem a compreensão do que aquilo significa. Para além disso, existe a carga histórica, pelo menos em relação aos jurisdicionados indígenas, de que nunca foi exigido o acesso a certidão de nascimento. Então, uma vez que se tinha o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI), não havia obrigatoriedade de emissão do registro civil. Isso começou a ser exigido para acesso a algumas políticas públicas de programas sociais como Bolsa Família, auxílio emergencial, ou seja, é uma demanda superveniente.

Fonte: ANOREG/AM

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